ESG é Hype?!

Desafios, mitos e oportunidades das práticas ESG no mundo corporativo

Por Paulo Martinez

Nos últimos anos, o ESG (ambiental, social e governança) tem atraído crescente atenção no mundo dos negócios, impulsionado pela opinião pública e por investidores comprometidos com a sustentabilidade. No entanto, esse movimento também levanta questões sobre a autenticidade das iniciativas ESG. Enquanto o greenwashing — a prática de exagerar ou falsificar credenciais de sustentabilidade — já é bem conhecido, surge um novo desafio: o greenhushing. Neste fenômeno, as empresas optam por silenciar sobre suas ações ESG, seja por medo de represálias, receio de acusações de greenwashing ou para evitar complicações regulatórias¹.

Esse silêncio intencional não só limita a transparência, como também enfraquece o movimento de sustentabilidade, dificultando medir e avaliar as práticas ESG. Apesar dessas hesitações, o interesse global por ESG continua crescendo, impulsionado pelas Gerações Z e Millennials, que exigem modelos de gestão mais responsáveis. O aumento de interesse, especialmente desde 2019, destaca uma tendência significativa que alcançou seu ápice em 2023, refletida no crescente volume de buscas pelo termo "ESG", como vemos no gráfico a seguir²:

Pesquisas e análises recentes nos trazem dados interessantes sobre esta tendência:

  • 97% dos millennials nos EUA e Europa estão interessados em investimentos sustentáveis, acima da média geral destas regiões, que é de 85% de interesse³;

  • 68 trilhões de dólares estarão em poder dos millennials até 2030 para investimentos e giro econômico, devido à transferência de patrimônio por herança, sucessão, entre outros fatores. Isso é equivalente a 67% do mercado global de ações, e 52% do mercado global de renda fixa⁴;

  • 30 trilhões de dólares estavam investidos em ativos ESG globalmente até o final de 2022, com previsão de chegar a 40 trilhões até 2030⁵;

Esse crescimento não é por acaso. As gerações mais recentes, moldadas pela revolução da tecnologia da informação e mais conscientes dos desafios globais, têm exigido mudanças sustentáveis efetivas. Com acesso a mais dados e maior voz sobre crises ambientais, econômicas e sociais, essas gerações demandam que as empresas alinhem suas ações às expectativas crescentes da sociedade e dos investidores. O verdadeiro desafio para os negócios não é apenas evitar práticas superficiais como o greenwashing ou o greenhushing, mas reconhecer que iniciativas ESG autênticas são uma oportunidade essencial para se destacar no mercado e contribuir para um futuro mais sustentável.


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"Bem-vindos ao mundo da policrise!"
- Adam Tooze

A era da policrise, como descrita pelo autor e historiador britânico Adam Tooze⁶, revela um cenário em que múltiplas crises interligadas — econômicas, ambientais e sociais — se amplificam mutuamente, criando desafios complexos para a humanidade. Governos, empresas e indivíduos enfrentam uma pressão inédita para encontrar soluções integradas, uma vez que abordagens fragmentadas são insuficientes para lidar com a natureza interconectada desses dilemas. As crises se reforçam e amplificam em escala, tornando sua gestão ainda mais desafiadora e gerando um sentimento de desorientação e impotência. Isso impõe desafios significativos à governança global, exigindo abordagens multidimensionais e coordenadas.

Características da Policrise

  • Multiplicidade de crises simultâneas: a policrise se caracteriza pela ocorrência simultânea de várias crises que, isoladamente, já seriam significativas. Estas crises podem incluir problemas econômicos, políticos, sociais e ambientais. 

  • Interação e retroalimentação: as crises não são independentes; elas interagem e se reforçam mutuamente. Por exemplo, a crise climática pode agravar problemas econômicos, que por sua vez podem intensificar tensões sociais. 

  • Amplificação e escala: a interação entre as crises pode amplificá-las, gerando uma reação em cadeia que torna a gestão e resolução desses problemas ainda mais desafiadora. 

  • Inespecificidade e complexidade: a policrise é difícil de ser compreendida e gerida porque não há uma causa única ou clara. Essa complexidade gera um sentimento de desorientação e impotência nos tomadores de decisão e na sociedade em geral.

Implicações da Policrise

  • Desafios para a governança global: governos e instituições enfrentam dificuldades para lidar com crises interconectadas que transcendem fronteiras nacionais e setores econômicos. A falta de uma resposta coordenada e eficaz pode agravar ainda mais as crises. 

  • Impacto na identidade e na capacidade de lidar com crises: como Tooze aponta, uma crise se torna policrise quando desafia nossa capacidade de resposta e ameaça nossa identidade. As crises sobrepostas dificultam a compreensão do terreno sobre o qual estamos pisando, gerando instabilidade e incerteza. 

  • Necessidade de abordagens multidimensionais: a gestão eficaz da policrise exige abordagens integradas que considerem as interconexões entre diferentes crises. Soluções fragmentadas ou setoriais são insuficientes para abordar a complexidade da policrise.

Enquanto essas crises parecem esmagadoras, elas têm contribuído para uma nova mentalidade, sobretudo entre as gerações mais jovens, que estão moldando ativamente as respostas a esses desafios. É aqui que entra a "Geração T", a geração de transição, que não só reconhece a complexidade das crises, mas também está disposta a adotar uma abordagem holística e regenerativa para superá-las.

Geração T(ransição)

Amy Webb, futurista e CEO do Future Today Institute, apresentou o conceito de Geração T⁷, que representa uma geração de transição, abrangendo pessoas de todas as idades - de baby boomers a geração alpha -, vivendo em um momento de convergência tecnológica sem precedentes, impulsionado por inovações como inteligência artificial, biotecnologia e o ecossistema de dispositivos conectados.

Uma característica fundamental da Geração T é a colaboração intergeracional, que aproveita a diversidade de experiências e perspectivas para enfrentar as complexidades do mundo atual.

Embora inicialmente focada na revolução tecnológica, essa transição demanda também uma mudança de consciência econômica, social e ambiental, movendo-nos de uma mentalidade de exploração para uma de regeneração. Tal evolução deve levar em consideração uma perspectiva holística, priorizando a ética de vida sobre o crescimento econômico e a inovação tecnológica. 

Inserida no contexto da policrise, a Geração T está em uma posição única para moldar o futuro, utilizando tecnologias emergentes enquanto promove práticas mais sustentáveis e regenerativas. A colaboração intergeracional e a ética na inovação serão cruciais para navegar pelo superciclo tecnológico e pelas policrises que enfrentamos.

Fronteiras Planetárias

Johan Rockström, um renomado cientista ambiental sueco, é um dos principais autores do conceito de Fronteiras Planetárias⁸, desenvolvido em conjunto com outros pesquisadores do Stockholm Resilience Centre. Este framework identifica nove processos do sistema terrestre que possuem limites definidos, dentro dos quais a humanidade pode operar de forma segura. Ultrapassar esses limites aumenta o risco de causar mudanças ambientais abruptas e irreversíveis.

O gráfico a seguir ilustra o estado atual dessas fronteiras planetárias em três períodos distintos: 2009, 2015 e 2023. Podemos observar que, atualmente, seis das nove fronteiras foram ultrapassadas, destacando a urgência de adotar medidas para retornar a um espaço operacional seguro.

The evolution of the planetary boundaries framework • Stockholm Resilience Centre, Stockholm University

As nove fronteiras planetárias são:

  1. Mudança Climática

  2. Integridade da Biosfera (diversidade genética e funcional)

  3. Mudança no Uso da Terra

  4. Uso de Água Doce

  5. Fluxos Bioquímicos (ciclos de fósforo e nitrogênio)

  6. Acidificação dos Oceanos

  7. Depleção da Camada de Ozônio Estratosférico

  8. Carga de Aerossóis na Atmosfera

  9. Introdução de Novas Substâncias (entidades novas)

Documentário recomendado: "Breaking Boundaries" na Netflix, que aborda em profundidade as questões das fronteiras planetárias e a urgência de ações regenerativas para mitigar os impactos ambientais e sociais das crises atuais.

Sobrecarga da Terra

O início de agosto marca a sobrecarga da Terra, momento em que já consumimos todos os recursos naturais que o planeta pode regenerar em um ano, forçando-nos a operar "no vermelho". Essa sobrecarga impõe "juros" altos, refletidos em impactos ambientais, sociais e econômicos crescentes. Para atender à demanda global, precisaríamos de 1,7 planetas, com números ainda mais alarmantes para regiões como a União Europeia (2,8 planetas) e os Estados Unidos (5 planetas)⁹.

Essa situação reflete nosso hábito de operar de maneira alavancada, buscando crescimento acelerado e contínuo. Em 2023, o crédito ao setor privado alcançou 148% do PIB global¹⁰, e a alavancagem nos EUA chegou a uma taxa de 10x entre dólares circulantes e reservas disponíveis¹¹. Essa lógica de alavancagem, que impulsiona produção e consumo crescentes, ignora os limites dos recursos naturais, gerando uma dívida com o planeta que não podemos pagar.


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O papel das organizações

As organizações desempenham um papel crucial nessa equação, sendo parte do problema e com a responsabilidade de fazer parte da solução. Estima-se que exista, em média, uma empresa para cada 100 habitantes no mundo¹². As grandes corporações concentram uma parte significativa do crédito e da produção de bens de consumo e infraestrutura, enquanto as pequenas e médias empresas desempenham um papel vital no setor de serviços e na geração de empregos. Portanto, todas as organizações, independentemente de seu tamanho ou setor, podem contribuir para uma convivência mais sustentável e próspera com o planeta.

Organizações que investem em ESG performam melhor!

A adoção de práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) não só beneficia o meio ambiente e a sociedade, mas também melhora a performance financeira das empresas. Aqui estão cinco características que ilustram a maturidade operacional e de resultados das organizações que colocam o desenvolvimento sustentável na essência dos seus valores e cultura¹³:

  1. Melhor desempenho financeiro: empresas que incorporam práticas ESG tendem a ter lucros mais estáveis e menos volatilidade, graças a uma gestão de riscos mais eficaz e maior adaptabilidade a mudanças de mercado.

  2. Redução de riscos e custo de capital: a integração de critérios ESG ajuda a mitigar riscos regulatórios, de reputação e operacionais, resultando em menor custo de capital, pois essas empresas são vistas como mais resilientes a choques externos.

  3. Acesso a novas oportunidades de mercado: empresas com fortes credenciais ESG podem explorar novos mercados e clientes que valorizam a sustentabilidade, além de se beneficiar de incentivos governamentais.

  4. Engajamento e retenção de talentos: organizações que investem em ESG atraem e retêm talentos de forma mais eficaz, especialmente entre as gerações mais jovens, o que leva a maior produtividade e menor rotatividade.

  5. Inovação e eficiência operacional: práticas ESG incentivam a revisão de processos internos, resultando em maior eficiência e inovação, além de criar uma vantagem competitiva no mercado.

A economia do século XXI

Kate Raworth, economista britânica, desenvolveu a Economia Donut¹⁴ como um modelo econômico que integra os conceitos de sustentabilidade ambiental e justiça social, utilizando o framework de fronteiras planetárias de Johan Rockström. O modelo propõe um equilíbrio entre as necessidades humanas e os limites planetários, visualizado como um "donut" onde o espaço seguro e justo para a humanidade se encontra entre a base social e os limites ambientais.

Os princípios da Economia Donut propõem sete maneiras de pensar como um economista do século XXI:

  1. Redefinir o objetivo - do PIB ao Donut: focar em atender às necessidades de todos dentro dos limites planetários, garantindo que a atividade econômica respeite o equilíbrio entre a satisfação humana e a sustentabilidade ambiental.

  2. Analisar o quadro geral - do mercado autônomo à economia integrada: reconhecer que a economia está profundamente integrada com a sociedade, cultura e meio ambiente, assegurando que as finanças sirvam ao bem-estar geral.

  3. Estimular a natureza humana - do homo economicus ao ser social adaptável: redefinir a visão do "homem econômico racional", valorizando o ser social, colaborativo e adaptável, promovendo a diversidade, participação e reciprocidade.

  4. Pensamento sistêmico - do equilíbrio mecânico à complexidade dinâmica: entender a economia como um sistema complexo e dinâmico, priorizando as relações ao controle linear das partes. Abraçar a adaptabilidade, a incerteza e feedbacks / aprendizado contínuo.

  5. Projetar para distribuir - igualdade by design: adotar uma estratégia que favoreça a distribuição equitativa desde o princípio, via um design aberto, participativo e redistribuição de decisão e recursos.

  6. Criar para regenerar - da exploração à regeneração: adotar uma perspectiva regenerativa que visa restaurar os sistemas naturais em toda a cadeia produtiva, respeitando e trabalhando dentro dos ciclos naturais.

  7. Busque a prosperidade ao invés do crescimento: priorizar a prosperidade sustentável ao invés do crescimento econômico como a principal métrica de sucesso. Promova a disseminação ampla de ideias, práticas e métricas qualitativas em vez de focar apenas no avanço financeiro e material.

Aplicando o conceito de desenvolvimento sustentável

À medida que o interesse em investimentos ESG cresce, a necessidade de uma nova consciência e uma nova forma de agir no mundo se torna mais evidente, especialmente no contexto corporativo. Neste cenário, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU¹⁵ se destacam como um framework essencial. Criados a partir da Agenda 2030, que foi adotada globalmente em 2015, os ODS proporcionam uma visão sistêmica com metas e indicadores para enfrentar desafios globais, desde a proteção ambiental até a redução das desigualdades.

As empresas têm um papel crucial ao se alinhar a essa agenda, promovendo práticas que vão além do retorno econômico e que contribuem para o bem-estar coletivo. O desenvolvimento sustentável, que se fundamenta em três pilares essenciais, de empresas que: (1) promovam a justiça social, (2) a responsabilidade ambiental e (3) a viabilidade econômica.

Visão de ODS no formato "wedding cake" pelo Stockholm Resilience Centre, ressaltando a biosfera como base da economia, sociedade e todos os demais ODS.


Conforme navegamos por um mundo que se apresenta cada dia mais complexo e interconectado, a responsabilidade das empresas vai muito além do lucro. Profissionais e organizações estão diante de um desafio inegável: integrar práticas ESG autênticas em suas estratégias e operações diárias. Isso não é apenas uma tendência passageira, mas uma necessidade latente para garantir a sustentabilidade da vida humana a longo prazo.

Empresas que investem em ESG não apenas contribuem para um futuro mais próspero, mas também colhem benefícios tangíveis: melhor desempenho financeiro, maior resiliência diante dos riscos, acesso a novas oportunidades de mercado, maior engajamento e retenção de talentos, além de mais inovação e eficiência operacional. Em outras palavras, investir em ESG é um bom negócio! Uma estratégia que combina propósito e lucro, garantindo a relevância e a permanência no mercado.

Organizações e profissionais têm o poder de transformar desafios em oportunidades, de moldar um futuro onde o crescimento é sinônimo de prosperidade. A verdadeira liderança no século XXI exige coragem para inovar de maneira consciente e responsabilidade para construir um legado que beneficie tanto a sociedade quanto o planeta.


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