O Conservadorismo que vale a pena

⬆ "O Dilema entre conservadorismo e Progressismo", obra de arte gerada a partir da Inteligência artificial generativa Midjourney em caráter experimental

Vivemos tempos antagônicos, com ideias e pontos de vista extremamente polarizados. Embora essa polarização não seja nova, é preocupante que, em pleno século 21 e com todas as evoluções que já tivemos, não conseguimos, ainda, encontrar um caminho comum para nos desenvolvermos e prosperarmos como humanidade e, ao mesmo tempo, pacificar a nossa relação com a Terra e seus recursos, garantindo a própria prevalência como espécie.

Na esfera político-social, a batalha entre conservadores e progressistas é constante. Enquanto conservadores querem preservar modelos, valores e costumes de outros tempos, progressistas desejam romper paradigmas e propor novas ideias e novas estruturas. É impossível separar o contexto político-social das nossas relações mais corriqueiras, seja na organização onde trabalhamos, fundamentada nos valores da liderança e do mercado onde está inserida, bem como nos nossos relacionamentos mais fraternos. Todo aspecto comportamental, relacional, o estilo de vida e de consumo, carregam intrinsecamente uma visão político-social. O ativismo, o discurso pacificador ou agressivo, até mesmo o descaso, também carregam, naturalmente, uma visão político-social.

A visão de mundo dominante ainda leva em conta apenas o crescimento econômico e o lucro ao acionista como premissas prioritárias. Negócios bem vistos são aqueles de escala global e que possuem espaço para "resultados" exponenciais, mesmo desconsiderando os incontáveis custos ambientais e sociais como parte da equação. Em um contexto onde todas as empresas e economias querem crescer incessantemente, executivos mundo afora se valem, tradicionalmente, de estratégias e jargões belicistas, com foco em dominar a concorrência e conquistar cada vez mais consumidores.

"Não é nada pessoal, são apenas negócios”, é uma expressão bastante usada, sobretudo para explicar ações de ética duvidosa do mundo corporativo. O mais curioso desta expressão é que ela foi criada por Otto Berman, um gângster da década de 1930.

Essa visão separatista do materialismo econômico versus as demais formas de capital a serem consideradas, no sistema operacional da vida, é o que formam os verdadeiros pecados capitais, como podemos observar no gráfico a seguir.

Gráfico inspirado nas 8 formas de capital de Ethan Roland & Gregory Landua, evidenciando o peso desproporcional da visão financeira e material sobre as demais formas de capital.

Se você perguntar para uma pessoa tida como conservadora, se ela deseja o progresso, provavelmente irá afirmar que sim. No caso de progressistas, por sua vez, dirão que não pretendem simplesmente destruir o que foi construído até aqui, mas sim desconstruir, repensar, evoluir. O que separa, então, o progresso de conservadores da visão e valores progressistas não é o substantivo em si, mas o conjunto de crenças que levam à sua interpretação.

O dilema fica claro, pois nem progressistas e, tampouco conservadores, possuem uma visão de progresso desvinculada de guerras, escravidão e exploração. A ideia que temos a respeito do progresso é baseada no passado e está desatualizada, não nos serve mais como playbook.

É imperativa a reflexão e o diálogo sobre o nosso ideal de progresso, porque enxergar o capital além da materialidade econômica é a pedra fundamental para aceleração do desenvolvimento sustentável e regenerativo que nos é tão caro.

Explorando um pouco mais por outras outras lógicas e pontos de vista, em um exercício de auto-questionamento, novas perguntas surgem, nos guiando para caminhos e conclusões interessantes, como por exemplo, a de que é preciso conservar para progredir...

  • Conservar o amor e o companheirismo para que, através de diálogos respeitosos e saudáveis, possamos chegar aos pontos de encontro e colaboração que nos ajudarão na construção de um futuro mais próspero.A magia da criatividade mora no encontro das diferentes perspectivas.

  • Conservar a devoção à Natureza, entendendo que ela é a nossa grande Mãe e nos oferece tudo o que somos e que fazemos. Nos reconectar com a natureza é mandatório, e, assim, com a nossa própria natureza, porque somos um entre zilhões de organismos que co-habitam esse planeta, em um ambiente ecossistêmico onde toda e qualquer espécie tem papel fundamental. Evoluindo, portanto, da mentalidade linear de exploração edescarte para uma lógica circular e regenerativa, garantindo assim maior perenidade e prosperidade para a nossa existência na Terra.

  • Conservar as sabedorias dos povos ancestrais, que não acreditam em fronteiras entre os mundos físico e espiritual, para que possamos compreender que não basta a visão materialista e imediatista, mas sim uma visão mais holística, cientes do legado que devemos construir e da grande rede universal interdependente da qual fazemos parte. Tais saberes, através das suas distintas origens e filosofias, estão à nossa disposição e nos presenteiam com pistas valiosas sobre como atuar para contribuir na construção de um presente e de um futuro mais próspero.

  • Conservar a consciência de responsabilidade dos nossos privilégios, em como pode ser usada para trazer cada dia mais pessoas para cima, ao invés de proteger as próprias conquistas e acumular somente para si. Não nos iludamos, nossa visão de mundo não pode considerar apenas a própria bolha de convivência. Para progredir, devemos fazer justamente o contrário, buscando escutar e considerar as diferentes visões sociais, culturais e filosóficas através da convivência fraterna.

  • Conservar o entendimento de que a desigualdade, o racismo, o sexismo e o especismo não só existem, como são problemas crônicos da raça humana, e que precisamos aprender sobre tais questões para desconstruí-las, criando assim bases para uma sociedade mais justa e cooperativa.

  • Conservar a nossa potência de intenção e de atuação em grupo, em comunidade, seja com ou sem fins lucrativos, mas que coloque o desenvolvimento sustentável antes do lucro, porque os fins não mais justificam os meios como se pensava, entendendo que a prosperidade e a perenidade é melhor do que ser maior ou dominante.

Quando seguimos ideias pré-determinadas, deixamos de enxergar outras oportunidades que estão à nossa volta, nos fechando e nos limitando às nossas enrijecidas crenças e convicções. Deste modo, deixamos de ser pensantes, questionadores e criativos e passamos a atuar de forma autômata e pré-formatada. Um simples exercício de inversão da lógica como esse, além de agregador, é um convite para sairmos da "normose" em que vivemos.

O verdadeiro pecado capital é não expandirmos a concepção de capital para além do financeiro e material, continuando a encarar a humanidade como apartada do restante da natureza e, como consequência, permeando a crença de que os negócios não podem ser integrados com a consciência social e ambiental de que tanto necessitamos.

Gráfico inspirado nas 8 formas de capital de Ethan Roland & Gregory Landua, evidenciando o peso corrigido da visão financeira e material em relação às demais.

O ideal de progresso contemporâneo deve levar em conta a integração de todas as formas de capital e seu justo equilíbrio, para que possamos caminhar em uma faixa de prosperidade segura como propõe Kate Haworth em seu Donut Economics.

Certa vez ouvi que a transformação do conhecimento em prática se dá através da consciência. Ao estudar e adquirir cada vez mais conhecimento sobre as questões do desenvolvimento sustentável, percebo que há muita coisa valiosa disponível entre bibliografia, pesquisas, iniciativas práticas e frameworks de atuação. O que nos falta, infelizmente, é consciência, o despertar de uma consciência que passa por equilibrar outra balança, a da razão com o coração, onde mora a empatia e a compaixão. Curioso pensar que as formas de capital das quais precisamos tomar consciência, são justamente aquelas que levaremos para a eternidade, as que nos conservam à alma.

Portanto, o conservadorismo que vale a pena é justamente aquele que nos ajuda a manter a nossa verdadeira essência, além de nos proporcionar evolução de consciência e adaptação positiva às mudanças do mundo. Cultivar a curiosidade, a criatividade, a compaixão e o respeito pela natureza são essenciais para isso.

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