A verdadeira inovação acontece na integração das 3 tecnologias

Quando pensamos em inovação, a reação imediata é associá-la aos avanços em ciência, computação e engenharia. Esses campos têm, sem dúvida, gerado transformações impressionantes que aceleram a capacidade humana de moldar o futuro. Contudo, o desenvolvimento exponencial dessas tecnologias científicas, frequentemente guiado por uma visão de mundo que prioriza o crescimento econômico, nos faz ignorar outras dimensões cruciais do sistema complexo da vida. Definir inovação exclusivamente como avanço científico-econômico, limita nossa capacidade de criar um futuro verdadeiramente sustentável e próspero. Este artigo nos convida a uma reflexão mais ampla, explorando a necessidade de integrar diferentes dimensões tecnológicas para alcançar um progresso que beneficie toda a sociedade e o meio ambiente.

Vivemos na era Tecnocêntrica

A tecnologia científica, com seus diversos avanços, domina os debates e eventos de inovação ao redor do mundo. Temas como Inteligência Artificial, Machine Learning, Data Science, Biotecnologia, e Computação Quântica são amplamente discutidos e divulgados pela mídia, reforçando a percepção de que a ciência é o principal motor da inovação. Embora esses desenvolvimentos sejam vitais, a ênfase exclusiva neles pode levar a uma visão distópica do futuro, semelhante aos cenários de filmes como "Blade Runner" ou "Exterminador do Futuro", onde as máquinas determinam o destino da humanidade.

Como ponto de prova, basta acessar sua plataforma de streaming preferida, seja Netflix, Amazon Prime ou qualquer outra, e observar a quantidade avassaladora de conteúdos relacionados a futuros distópicos, em comparação com conteúdos otimistas sobre o futuro. Fica óbvio entender como a cultura predominante está moldando nossa percepção sobre inovação e o futuro, e a importância de ampliar essa visão para incluir possibilidades mais positivas e inclusivas.

Hoje, na visão tecnocêntrica, a tecnologia científica está no centro, com a tecnologia natural e a tecnologia social orbitando ao seu redor. Esse modelo favorece interesses econômicos em detrimento de considerações éticas, morais e relacionais. A ênfase desproporcional em aspectos científicos e econômicos cria um desequilíbrio que compromete nossa capacidade de enfrentar os desafios complexos do século XXI.

Ampliando a Visão: as 3 tecnologias

Para evitar essa desumanização e desnaturalização da tecnologia, é fundamental ampliar nossa visão além do contexto científico-econômico. A verdadeira inovação ocorre na interseção de três grandes tecnologias: científica, social e natural. A tecnologia científica, apesar de sua importância, deve ser compreendida como parte de um contexto maior, inserido dentro das tecnologias social e natural.

A grande mudança

A proposta de mudança do paradigma vigente, no qual a tecnologia científica predomina sobre as demais, exige a integração das 3 Tecnologias, com as tecnologias sociais e naturais atuando no DNA da tecnologia científica. Isso assegura que o desenvolvimento científico esteja verdadeiramente a serviço da humanidade e do planeta. Ao incorporar essas dimensões, podemos garantir que o progresso tecnológico não apenas impulsione o crescimento econômico, mas também promova o bem-estar social e a sustentabilidade ambiental.

Explorando as 3 Tecnologias

Para entender como essa integração pode ser alcançada, é essencial explorar cada uma das três tecnologias em mais detalhes. A seguir, discutiremos as tecnologias natural, social e científica, examinando como cada uma delas contribui para um modelo de inovação mais holístico. Começaremos pela tecnologia natural, que nos conecta profundamente com o ambiente e os processos ecológicos essenciais para a vida.

Tecnologia Natural

A tecnologia natural envolve a nossa conexão com o sistema da vida (a Terra), com o macrocosmo (universo) e com o microcosmo (self). Em nosso cotidiano frenético, esquecemos que fazemos parte de um universo vasto e misterioso, repleto de trilhões de planetas e galáxias. Dentro de nós, trilhões de células trabalham em harmonia para sustentar a vida. Somos compostos pelos mesmos elementos básicos que sustentam outras formas de vida na Terra e dependemos da mesma atmosfera para sobreviver.

Imaginando os 4,5 bilhões de anos da Terra como um único ano, a existência da humanidade moderna equivaleria apenas aos últimos 6 minutos. Isso nos lembra do vasto conhecimento que podemos acessar através da conexão profunda com a Natureza, a maior tecnologia de todas. Pensar sobre Tecnologia Natural é pensar na essência da Vida e na sua sacralidade. Devemos nos reconectar, tanto com a natureza ao nosso redor quanto com a nossa própria natureza interior.

As Soluções Baseadas na Natureza (SbN) e a biomimética são metodologias que auxiliam no desenvolvimento urbano, de produtos e serviços inspirados na sabedoria primordial da Natureza. As SbN envolvem a utilização de processos e recursos naturais para enfrentar desafios ambientais, sociais e econômicos. Exemplos incluem a restauração de ecossistemas para controle de inundações e a criação de espaços verdes urbanos para melhorar a saúde mental e física das populações urbanas. A biomimética, por sua vez, é a prática de emular os modelos, sistemas e elementos da natureza para resolver problemas humanos complexos. Esta abordagem foi popularizada pelo trabalho de Janine Benyus, autora do livro "Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza", que explora como a natureza pode ser uma fonte de inovação sustentável. A biomimética tem sido aplicada em diversas áreas, como a arquitetura, onde estruturas inspiradas em organismos naturais resultam em edifícios mais eficientes energeticamente. Um exemplo é o Eastgate Centre no Zimbábue, que usa princípios encontrados em cupinzeiros para regular sua temperatura interna.

Outro exemplo é o lixo. Você já parou para pensar que o lixo é uma criação 100% humana? Na Natureza, não existe lixo, pois tudo o que é descartado vira nutriente que alimenta outros ciclos da vida. Essa lógica natural é fundamental para a Economia Circular, uma visão que desafia o modelo linear tradicional de "extrair, produzir, descartar". O conceito de Berço ao Berço (Cradle to Cradle), desenvolvido por Michael Braungart e William McDonough, propõe que todos os materiais em processos industriais sejam vistos como nutrientes circulares, retornando de forma segura ao meio ambiente ou sendo reciclados indefinidamente em novos produtos. Este paradigma transforma resíduos em recursos, promovendo um ciclo contínuo de uso e renovação.

Os psicodélicos também representam um aspecto fascinante da tecnologia natural, com uma história de uso que remonta a milhares de anos. Evidências arqueológicas mostram que sociedades antigas em várias partes do mundo, como a América Central e o Norte da África, utilizavam substâncias psicodélicas em contextos espirituais e medicinais há cerca de 9.000 anos. Na América Central, os cogumelos psilocibinos, conhecidos como a carne dos deuses (teonanácatl) pelos povos Asteca e Maia, eram usados em rituais sagrados. Na América do Sul, diversas tradições indígenas têm uma longa história de uso da Ayahuasca, uma bebida alucinógena preparada a partir da videira Banisteriopsis caapi e outras plantas, para reconexão e cura. A pesquisa moderna está redescobrindo o valor das sagradas plantas para tratamentos diversos como ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, entre outros. No âmbito das organizações, há estudos com experiências assistidas por psicodélicos, sinalizando o quanto podem influenciar positivamente a tomada de decisões e a liderança mais empática e consciente, além de promover uma visão mais integrada e regenerativa dos negócios e suas relações. Essas linhas de pesquisas não só resgatam práticas antigas, mas também as integram com abordagens contemporâneas para enfrentar os desafios modernos de reconexão da humanidade com sua natureza interior e exterior.

Dentro da tecnologia natural, podemos elencar temas como sustentabilidade, regeneração, serviços ecossistêmicos, ancestralidade, salutogênese, entre outros.

A tecnologia natural nos lembra da necessidade de alinhar nossos avanços científicos com os processos naturais e os ciclos ecológicos. É um chamado para regenerar nossas práticas e reintegrar a humanidade com a Natureza. Ao harmonizar nossos desenvolvimentos com os ritmos da Terra, podemos criar soluções que não apenas atendem às necessidades humanas, mas também promovem a saúde e a vitalidade do nosso planeta.

Tecnologia Social

A tecnologia social abrange uma vasta gama de aspectos que incluem ética, relações, colaboração, cultura, diversidade e criatividade. Esta dimensão da tecnologia é essencial para assegurar que os avanços científicos beneficiem a sociedade como um todo, promovendo um ambiente onde a inovação possa florescer de maneira mais holística e de afirmação da vida.

Vivemos atualmente, uma crise relacional e de saúde mental entre os jovens, exacerbada pela hiperconectividade e pela mudança no estilo de vida. Por exemplo, 1 em cada 4 jovens nos EUA sofre de ansiedade, enquanto 1 em cada 5 enfrenta depressão. Outros sintomas predominantes são aumento de taxas de suicídio e auto-mutilação entre jovens ao redor do mundo. Tais fenômenos estão diretamente relacionados com o aumento do tempo de tela e a redução das atividades ao ar livre e da socialização presencial​​​​.

Nos ambientes de trabalho essa crise é latente em todas as gerações, soma-se à hiperconectividade a pressão por prontidão permanente e pelo aumento de eficiência constante. Uma pesquisa com mais de 10 mil trabalhadores em seis países, revelou que mais de 40% das pessoas estão sofrendo de burnout, com impacto ainda maior quando o recorte é feminino. Outra pesquisa realizada globalmente, revelou que 8 em cada 10 trabalhadores sofrem de estresse frequentemente. Estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade, a um custo de 1 trilhão de dólares por ano em perda de produtividade​​.

Nós desaprendemos a nos relacionar. Os dados apontam para um contexto de solidão profunda e, ao mesmo tempo, de individualidade tóxica. Tais fenômenos destacam a importância da tecnologia social como o grande "elo perdido" entre as demais tecnologias (natural e científica), especialmente em uma era marcada pela crise relacional das pessoas consigo mesmas, com os outros e com o meio ambiente.

Além desses desafios, enfrentamos questões éticas urgentes relacionadas ao uso de inteligência artificial. Problemas como deepfakes, racismo algorítmico e a utilização de dados pessoais sem consentimento para treinamento de modelos de IA estão em ascensão. Essas questões não só exacerbam os sintomas de solidão e individualidade tóxica, como também levantam diálogos críticos sobre ética e regulamentação na tecnologia científica.

A tecnologia social nos lembra que a inovação deve ser impulsionada pela interação humana e pela coesão social, em vez de apenas pelo avanço científico. A inclusão de aspectos sociais na inovação tecnológica ajuda a assegurar que seus desenvolvimentos sejam justos e equitativos. Programas de empoderamento comunitário, a exemplo do movimento Transition Towns, têm mostrado como a colaboração local pode promover relações mais saudáveis, resiliência e sustentabilidade. Essas iniciativas fortalecem a coesão social e promovem práticas regenerativas em nível glocal (global e local).

Temas centrais da tecnologia social incluem:

A integração da tecnologia social em nossa abordagem de inovação é crucial para criar um futuro onde o progresso tecnológico esteja verdadeiramente a serviço da humanidade e demais formas de vida. A tecnologia social atua como um catalisador para práticas mais saudáveis e sustentáveis, promovendo um ambiente onde se possa prosperar.

Tecnologia Científica

A tecnologia científica abrange avanços em ciência, computação, engenharia, indústria e infraestrutura. Esses desenvolvimentos são cruciais para o progresso humano, mas devem ser vistos como parte de um sistema maior, integrando-se com as tecnologias social e natural para alcançar um impacto positivo.

Inicialmente, discutimos como a tecnologia científica, guiada por uma visão tecnocêntrica, tende a priorizar o crescimento econômico e a eficiência, ignorando aspectos éticos e relacionais. Essa predominância pode levar a cenários distópicos, comprometendo nossa capacidade de enfrentar os desafios complexos atuais. Para evitar esses riscos, é essencial que a tecnologia científica se integre profundamente com as dimensões social e natural, garantindo que o desenvolvimento científico beneficie a humanidade e o planeta. Tecnologias desenvolvidas com empatia priorizam o bem-estar coletivo e alinham o progresso técnico com valores humanos e sustentáveis.

Vivemos em um mundo onde 1 a cada 3 pessoas não têm acesso à internet, onde 1 a cada 4 pessoas não possui saneamento básico e 1,4 bilhões de adultos não têm serviços bancários. A tecnologia científica pode ajudar a resolver esses problemas e muitos outros, se bem utilizada. Dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e suas 169 metas, a inteligência artificial pode ajudar a atingir 134 dessas metas, contribuindo em previsões climáticas, diagnósticos médicos, pesquisas de dados avançadas, etc. No entanto,  pode também prejudicar 59 metas, se utilizada, por exemplo,  para espalhar desinformação e aumentar desigualdades. Precisamos escolher sabiamente de que lado da tecnologia científica queremos estar.

Os temas mais discutidos relacionados à tecnologia científica incluem:

Esses tópicos refletem uma concentração em áreas que prometem revolucionar a forma como vivemos e trabalhamos. No entanto, é crucial reconhecer que o foco exclusivo nesses avanços pode nos levar a cenários negativos se não forem equilibrados com as tecnologias sociais e naturais.

Uma Nova Visão de Futuro

Nossa cocriação de futuro não precisa ser distópica. Podemos imaginar e construir um futuro onde as três tecnologias (natural, social e científica) estão integradas, promovendo um ambiente próspero e favorável à vida. Para alcançar isso, elencamos seis princípios orientadores:

  1. Colaboração e Co-Criação:
    O futuro deve ser moldado pela colaboração entre pessoas de diversas regiões e culturas, unindo forças para criar futuros inclusivos e desejáveis. Isso envolve parcerias interdisciplinares e intersetoriais, integrando diferentes perspectivas e habilidades para enfrentar desafios complexos além do viés econômico.

  2. Empoderamento Comunitário:
    É essencial equipar comunidades com ferramentas e conhecimentos para que participem ativamente na criação de seu próprio futuro. Isso inclui regulamentação inclusiva, acesso à tecnologia, letramento digital e espaços para experimentação. Devemos reconhecer que a construção do futuro não pode ficar restrita a pequenos polos tecnológicos, e sim envolver a diversidade de perspectivas que co-existem local e globalmente.

  3. Futuros Alternativos:
    Existem múltiplos futuros possíveis, e nossas escolhas de hoje determinam qual deles se tornará realidade. Precisamos imaginar futuros não só distópicos e high tech, mas também sonhar e imaginar com futuros utópicos e assim chegar em contextos otimistas e realistas, considerando como nossas escolhas culturais e sociais moldam essas visões.

  4. Educação e Consciência de Futuros:

    É necessário mudar o paradigma educacional atual, que é utilitarista e focado em competitividade, para um formato mais auto-dirigido, criativo e exploratório. Há um potencial enorme na criatividade e imaginação das crianças e jovens para pensar soluções não convencionais. Um novo modelo de educação deve estimular a vivência do mundo natural, a produção e o consumo consciente, o senso comunitário e o empreendedorismo colaborativo, desenvolvendo gerações capazes de enfrentar os desafios futuros com inovação e empatia.

  5. Responsabilidade:

    Devemos agir com responsabilidade, considerando a prosperidade para as próximas gerações e promovendo um futuro equitativo e sustentável para toda a vida. Isso inclui abordar as questões éticas, relacionais e culturais da tecnologia social para conectar as dimensões científicas e naturais, promovendo bem-estar social, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico justo.

  6. Papel da Tecnologia Científica:

    A tecnologia científica deve ser uma ferramenta para ampliar o engajamento humano, tanto entre as pessoas quanto com o meio ambiente. É crucial que os avanços tecnológicos promovam uma coexistência harmoniosa, melhorando a qualidade de vida e a sustentabilidade ecológica de maneira justa e responsável.

"O futuro não é algo que nos acontece,
mas algo que podemos criar juntos."

A verdadeira inovação vai além dos avanços científicos e tecnológicos. Ao integrar as tecnologias social e natural no DNA da tecnologia científica, podemos construir um futuro mais próspero e justo. Vamos trabalhar coletivamente para um mundo onde a tecnologia promove um ecossistema de inovação sustentável e regenerativo.

A integração das três tecnologias – científica, social e natural – é essencial para enfrentar os desafios complexos do século XXI. Adotando essa abordagem, evitamos cenários distópicos e promovemos um futuro onde todas as formas de vida prosperem. Convidamos líderes, educadores, empreendedores e cidadãos a se envolverem ativamente, adotando práticas sustentáveis e colaborativas para construir um mundo onde a inovação está verdadeiramente a serviço da humanidade e do planeta.

 

Referências citadas (em ordem de aparição):

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