Ideologia da Liberdade
Ainda faz sentido falarmos sobre modelos de trabalho remoto, híbrido e presencial? Com as gigantes da tecnologia obrigando os trabalhadores a voltarem todos os dias para o escritório, acredito que ainda não viramos essa página.
Lembro inclusive, quando escutei um ótimo podcast sobre esse tema - 'Brain Cast’: Home Office vs Retorno ao Escritório¹, há um ano (novembro de 2023), que poderia ter sido gravado hoje!
Esse tema é muito caro para mim, pois realmente acredito na liberdade individual como força para trabalharmos e vivermos em comunidade.
Recentemente aprendi com a neurociência que, quando os colaboradores atuam em ambientes de alta confiança, eles demonstram maior produtividade, satisfação e engajamento, além de apresentarem melhor saúde física. À medida que a confiança cresce nas relações de trabalho, o senso de pertencimento dos funcionários também se fortalece.
Para Patrick Lencione², autor norte americano e presidente do ‘The Table Group’ - uma empresa dedicada a ajudar os líderes a melhorar a saúde das suas organizações desde 1997 - a base dos 5 desafios das equipes é a confiança (no time e nos outros). O que vai trazer, naturalmente, senso de responsabilidade.
Isso por si só já bastaria para defendermos o poder de escolha dos colaboradores no que diz respeito ao local onde irão realizar seu trabalho.
Entretanto, outros fatores como inovação e novos formatos de trabalho vêm para endossar as ideias acima.
Pensando em inovação, já está mais do que claro que, ao forçar as pessoas a se encaixarem em moldes rígidos, limitando sua liberdade, estamos sacrificando a criatividade, a diversidade de ideias e, por extensão, a inovação. Empresas sábias são aquelas que compreendem que, ao valorizar as individualidades, estimulam uma maior colaboração para o bem coletivo, promovem a felicidade e, como resultado, aumentam a produtividade.
Em relação a novos formatos de trabalho, já estamos falando sobre ‘Economia Gig’ e destacando modelos atuais e possíveis para desempenharmos nosso papel nas empresas. Estamos falando de um nível avançado de flexibilidade, que vai além das modalidades híbrida, remota e presencial. São transformações permanentes que colocarão as pessoas no centro dessas decisões, destacando o valor do indivíduo como força de trabalho. Isso trará benefícios para todos: colaboradores, parceiros, empresas e sociedade.
Se em 1817 o fabricante, filantropo e reformador social, Robert Owen³, já estava pensando sobre como humanizar o capitalismo e proporcionar melhores condições de trabalho nas fábricas, está na hora, em pleno 2024, de acelerarmos esses processos, transformando positivamente organizações e sociedades.
Empresas que têm escritório e, por isso, acabam obrigando as pessoas a irem presencialmente para justificar o custo da locação do imóvel, já pensaram e colocaram no papel o custo que a falta de autonomia e, consequentemente, bem-estar e felicidade no trabalho têm?
Será que isso não está intrinsecamente conectado com burnout, absenteísmo, afastamento, turnover?
Na ‘Segunda Pesquisa de Saúde Ocupacional’, feita pela Mercer Marsh Brasil⁴, com 208 empresas de 29 setores diferentes, pode-se destacar que a falta de autonomia sobre o trabalho é o terceiro fator que desencadeia o burnout, ficando atrás apenas de excesso de demanda e liderança:
Qual o custo que isso acarreta? O excesso de demanda também não está diretamente ligado ao fato de ter liberdade para organizar o “como” e “onde” da execução das próprias tarefas? Isso também não está diretamente conectado com a liderança que não promove um cenário de autonomia e confiança?
O mundo corporativo precisa de:
● Mais autonomia e menos micro-gerenciamento;
● Mais cobrança por entregas e menos controle do tempo dos colaboradores;
● Mais acordos e mais sentimento de pertencimento e menos desconfiança;
● Mais locais de encontros das equipes (pode ser inclusive o escritório) e menos cobrança da frequência presencial;
● Mais reuniões em cafés ou caminhando e menos pessoas presencialmente, fazendo calls em salinhas apertadas.
Os líderes do futuro serão facilitadores, guiando e motivando suas equipes, construindo uma confiança mútua e permanecendo abertos ao diálogo. Eles combinarão "o que" deve ser realizado, em qual "prioridade" e "por que", mas permitirão que cada um escolha livremente "como" executar.
Então, conseguiremos dar o próximo passo e falar sobre ressignificar a nossa relação com o trabalho tanto no que diz respeito aos novos formatos já citados como nas horas trabalhadas.
A jornada de 8 horas é um resquício da era industrial e pode até fazer sentido para alguns tipos de atividades, mas certamente não para todas. A neurociência já provou que, quando se trata de "trabalho do conhecimento", conseguimos ser produtivos por cerca de 4 horas diárias apenas. Para o trabalho criativo e intelectual, precisamos de uma cultura organizacional que ofereça pausas e períodos de descanso. Essas mudanças levarão mais tempo, mas a transformação urgente das organizações - autonomia, senso de responsabilidade e confiança - está em nossas mãos agora. Precisamos respeitar o Zeitgeist no que diz respeito ao trabalho e escutar as novas gerações quando falamos sobre propósito e sentido, liberdade e autonomia.
Para Daniel Pink⁵, autor norte americano com sete livros publicados sobre temas relacionados, existem 3 pilares fundamentais para criar e estimular a motivação das pessoas: autonomia, propósito e maestria.
Mais uma vez a autonomia e, neste sentido, as lideranças conscientes precisam se unir em prol das equipes e mudar as regras do jogo e das diretrizes, muitas vezes globais, para defender essa liberdade, mostrar valor financeiro para a empresa e perceber o valor do bem-estar no dia a dia.
Essa mentalidade do lucro acima de tudo precisa mudar. Até porque trabalhar sem parar e no piloto automático não é gerar valor.
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Lívia Gonzalez trabalha com Cultura e Felicidade organizacional, ajudando empresas e líderes a construirem ambientes empáticos, saudáveis e diversos, que cuidem das pessoas, dos negócios e do planeta. Possui MBA em Felicidade e Cultura Organizacional pela Happiness Business School e uma especialização em Neurociência para Negócios pelo MIT. Seu objetivo é guiar empresas para encontrarem a melhor equação possível entre qualidade, produtividade, inovação e felicidade corporativa; único caminho sustentável para organizações que desejam longevidade. Apaixonada pelas relações humanas e por conectar pessoas, ideias e negócios, acredita que o bom-humor e uma ótica positiva sobre a vida são a porta de entrada para o sucesso.